segunda-feira, 29 de setembro de 2008

tempo de ir aos dióspiros

Dizem que são provenientes da China; talvez por isso, os dióspiros têm um sabor diferente, estranho até para muitos de nós. Mas lá que são saborosos e matam a sede, disso não há dúvida.
Talvez atacados por um qualquer bichinho da fruta, este ano apareceram com umas manchas escuras, o que quer dizer que se os bichos gostam deles é porque são mesmo bons.
Aos dióspiros dou-lhes o mesmo rumo que aos figos: atiro-me a eles antes que a passarada se antecipe.
E se a árvore cá do quintal deu menos este ano, compenso a escassez com um saltinho ao aido do vizinho Jó, que o dióspireiro dele está carregadinho.
Se repararem, os nossos quintais produzem pelo menos um tipo de fruta em cada estação do ano: as ameixas de verão já se foram, no princípio do Outono vieram os figos e com eles as uvas; agora são os dióspiros e não tarda voltaremos ao ciclo das laranjas.
As árvores que vamos preservando nos nossos quintais são a melhor defesa contra a globalização do mercado. Até quando?

domingo, 28 de setembro de 2008

O mercenário

É esse o nome do herói da banda desenhada criada pelo catalão Vicente Segrelles.
Nascido em 1980, O Mercenário tornou-se um sucesso graças à execução do desenho a óleo, aos cenários - um misto da pré-história dos grandes répteis e da misteriosa baixa idade média - e à liberdade criativa do autor. As sequências das vinhetas, esses sedutores quadradinhos, estão muito bem planificadas, a lembrar a linguagem do cinema.
São de Federico Felini estas palavras: "O Mercenário é uma obra de banda desenhada fenomenal, é um filme, um filme grandioso. Ao contemplar as suas páginas, eu imaginava o silvo do voo dos contendores, a música e os efeitos especiais..."
Da série de 13 episódios, apenas 9 foram publicados em Portugal, todos com a chancela da Meribérica.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

casamentos entre homossexuais e um pouco mais

São conhecidas as posições do PS e do PSD sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo:
- Para o PS, o assunto “não está na agenda política, nem do governo nem do PS e o PS não anda a reboque de nenhum outro partido.” Estamos conversados.
- Para o PSD e apesar de dividido sobre a matéria, trata-se mais duma questão de consciência, do foro íntimo de cada um. Conversados estamos.
Como é bom de ver, nem o tema é uma mera questão de agenda e muito menos se resume a um assunto do foro íntimo: o casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma questão social, que põe em causa o conceito de família que sempre conhecemos.
Ao tratar do direito de família, o Código Civil define o casamento como um “contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante plena comunhão de vida, nos termos deste Código.”. Assim sempre rezou o artigo 1577º daquela lei.
Sou da opinião que o contrato/casamento possa ser celebrado entre pessoas, independentemente do sexo de cada um.
Mas fica a pergunta: porque é que este contrato não há-de ser celebrado entre 2, 3 ou até mais pessoas, como acontece com as demais relações contratuais?
Não me venham com o argumento de que somos herdeiros do direito romano e dos seus princípios monogâmicos. As tradições são como as agendas e os programas: só empatam o progresso.
Quem tem medo da poligamia? […a não ser o ministro das finanças, porque quantos mais forem os membros do agregado familiar mais aumentam as deduções fiscais].
É tempo de dizer não à tradição do matrimónio!
Votem aqui ao lado, que o voto é livre e secreto!

Os cabanais

Não havia casa de lavoura que não tivesse o seu cabanal.
Na região da Bairrada eram construídos à base de troncos de pinheiro ou de eucalipto: os paus mais grossos constituíam o seu esqueleto, que depois era completado com varas ou travessas horizontais onde depois se ia acamando a palha de milho ou a erva, até formar um verdadeiro telheiro.
Era certo e seguro que a chuva não entrava no seu interior. A palha, essa, serviria para alimentar ao longo do ano os nossos bois e vacas leiteiras; no interior, guardavam-se as espigas de milho e até alfaias agrícolas.
Os cabanais eram um bom esconderijo quando brincávamos aos cobóis.
E à noite - quem não se lembra? - eram local de encontro de amores furtivos ou proibidos.

Olhando à nossa volta, parece que já não vivemos no tempo dos amores escondidos...

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Desterro e degredo

Até 1982 esteve em vigor um Código Penal (CP) que reflectia a ideologia duma sociedade colonialista e marialva. São disso exemplo as penas de desterro e de degredo.
A mais revoltante pena de desterro constava do artigo 372º do CP de 1886: O homem casado que achar sua mulher em adúltério e n'esse acto matar ou a ella ou ao adúltero, ou a ambos, ...será desterrado para fóra da comarca por seis meses.
A mesma pena era aplicada à mulher, mas apenas se no mesmo acto matasse a concubina teúda e manteúda pelo marido na "casa conjugal", ou o marido ou a ambos.
A pena de degredo consistia em obrigar o condenado a residir e trabalhar numa das colónias de África e era aplicada com particular frequência.
A partir de meados do séc. XIX a colonização portuguesa fez-se muito à custa de condenados à pena de degredo, o mais famoso dos quais terá sido o José do Telhado. Tal como meu pai, começou por ser capador e comerciante de cavalos. Mais tarde participou como liberal na Revolução da Maria da Fonte, recebendo a mais alta condecoração militar - a Torre e Espada.
Como era dos usos, experimentou a emigração no Brasil, donde regressou para ingressar na quadrilha do seu irmão; chefiou assaltos violentos e de fartos proveitos, ao mesmo tempo que ajudava os pobres. Acabou condenado e deportado para Angola, onde se dedicou ao comércio de borracha, cera e marfim pelos sertões do interior.
José do Telhado faleceu de doença em 1875 perto de Malange e a sua vida inspirou livros e folhetos de cordel, romances biográficos, uma opereta, três filmes (o 1º dos quais ainda nos tempos do cinema mudo) e peças de teatro.
...
Viva a Maria da Fonte
Com as pistolas na mão
Para matar os cabrais
Que são falsos à nação

É avante Portugueses
É avante não temer
Pela santa Liberdade
Triunfar ou perecer
[do Hino da Maria da Fonte]

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Venezuela: as eleições regionais

Normalmente as eleições regionais não atraem os votantes venezuelanos tanto quanto as presidenciais. A Venezuela historicamente é um país de governo presidencialista; vota-se também pela pessoa, mais que pelas suas ideias e a situação actual não escapa a esta premissa. No próximo 23 de Novembro, a Venezuela elege 23 governadores e uns 350 alcaides, os quais exercerão as suas funções durante 4 anos. Há 4 anos, o governo (ou seja, Chavez), conseguiu 21 das 23 governações e a quase totalidade das "alcaldias". Desta vez, os resultados serão menos satisfatórios para ele. Prevê-se que a oposição possa vir a ganhar entre 8 e 12 governações de Estado e mais de metade das alcaldias. Para evitar esta hecatombe governamental, as instituições do Estado deram uma mão a Chavez, inabilitando os candidatos da oposição com maiores possibilidades de ganhar. Esta decisão da "Contraloria Geral da Republica", esbarra com o que está na Constituição de 1999 (feita à medida de Chavez) que diz que só poderão ser inabilitados para cargos públicos de eleição popular aquelas pessoas que tenham sido condenadas por um tribunal penal do País, coisa que não sucedeu em nenhum dos casos. O certo é que os principais candidatos ficaram pelo caminho. No meio de toda esta violação da Constituição, Chavez aproveitou para introduzir 26 leis que já tinham feito parte da Reforma que em 2 de Dezembro de 2007 tinham sido negadas pelos votos dos venezuelanos. Sendo assim, hoje em dia essas leis estão em plena vigência, contrariando a vontade do povo.
Esta atitude do governo de querer impor as suas regras contra a vontade popular está a levar o País a uma época de confrontos que podem chegar longe demais, com consequências difíceis de imaginar, mas seguramente muito duras para este povo que a única coisa que quer é viver em paz e harmonia.
Os dias que se aproximam podem levar a Venezuela a uma situação que trará enfrentamentos entre os venezuelanos, o que muito provavelmente provocará a impossibilidade de realizar eleições e a instauração dum governo mais autoritário do que hoje temos e ainda com menos liberdade do que aquela a que nos tínhamos acostumado nos últimos 40 anos.
Sopram ventos totalitários nesta querida terra. A liberdade pode ser anulada de um dia ao outro. Vamos todos votar para tratar de evitar essa possibilidade. Senão, que Deus nos proteja!
*
Rui Luzio

sábado, 20 de setembro de 2008

A palavra e a mão

Em 1969, Alberto Martins e Celso Cruzeiro encabeçavam a lista candidata aos corpos gerentes da Associação Académica de Coimbra patrocinada pelo Conselho das Repúblicas (CR). A vitória foi esmagadora e bem se pode dizer que o fascismo serôdio começou aí a caminhada para o derrube final em 1974. 
Integravam ainda a lista efectiva:
- Direcção Geral: além dos citados, José Salvador, José Gil, Matos Pereira, Fernanda Bernarda e Osvaldo Castro;
- Assembleia Geral: Décio Sousa, Joaquim Gil, Silva Pinto e Fátima Saraiva;
- Conselho Fiscal: Carlos Baptista, José Barata e José Cabral.
Não fosse o diabo tecê-as, havia uma lista substituta, de que faziam parte Américo Borges, Augusto Leitão, Bento Machado, Emídio Viegas, Palma Dias, José Miguens, Manuel Lacerda, José Ferreira, Strecht Monteiro, Rui Lobo, Rui Pato, Custódio Arroja, Redondo Lopes e Virgílio Pimenta.

O Alberto Martins é o actual líder parlamentar do PS na Assembleia da República e mantém o perfil que lhe conheci em Coimbra: educado, de voz branda e doce, o estudante certo para pedir a palavra ao palhaço do então presidente Américo Tomás aquando da inauguração do edifício das Matemáticas em 17 de Abril de 1969. O episódio fez história e recordo-o como se fosse hoje. Testemunhei.
O Celso Cruzeiro é advogado em Aveiro e mantém o perfil panfletário e combativo de sempre.
Embora por razões de ciência bem diferentes, quis o destino que acabassem por servir os interesses do partido no poder: enquanto o 1º lá vai controlando a rebeldia da bancada socialista, o 2º entregou ao PS, numa bandeja limpa de mácula, aquele que alguns desejam ver como novo delfim do regime.
O diabo sabe tecê-las...

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"A palavra e a mão" - Título dum caderno de poemas e desenhos editado em Coimbra em Maio de 1969, donde saquei a pequena imagem à direita;
- O bem documentado programa da lista do CR incluía 9 cadernos, sob o título "
Para uma Universidade Nova". Tal como ao cadernoguardo o programa religiosamente.
- Sobre a crise académica de 69, Celso Cruzeiro publicou "
Coimbra, 1969", Edições Afrontamento, 1989, que também guardo religiosamente. Sou muito crente.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

As duas faces da moeda

Percebe-se que o preço dos combustíveis junto do consumidor inclua uma percentagem fixa de imposto que o Estado cobra e que isso se reflicta de forma crescente no preço final.

Percebe-se que as variações do preço do petróleo (crude) não sejam exactamente iguais às variações do preço da gasolina; e percebe-se, porque enquanto a gasolina é cotada em euros, o petróleo é cotado em dólares e este subiu de valor face ao euro.

Percebe-se que o mercado português reaja a passo de caracol quando se trata de baixar os preços: se calhar, quando o petróleo está em queda nos mercados internacionais chega a Sines (quando chega!) nos porões de navios à vela…

Até se percebe que os defensores do neo-liberalismo económico achem muito normal que o preço da gasolina aumente numa altura em que a respectiva matéria-prima baixou mais de 30% desde Junho.

Entretanto e durante os mesmos últimos 3 meses, o custo do gasóleo baixou 23% e a gasolina 13%, o que equivale a dizer que, antes dos impostos, as descidas foram de 16 e 8%, respectivamente; a diferença aceita-se e está explicada pelas variações acima enunciadas.

Até aqui, tudo bem.

Só que, junto do consumidor final o gasóleo apenas desceu 8% e a gasolina uns ridículos 4%. Onde pára a diferença?

Fica também por perceber a razão desta lógica do mercado não se ter aplicado quando gramámos com subidas diárias do preço dos combustíveis. Serão mais velozes os navios quando transportam petróleo mais caro, assim provocando uma reacção mais rápida dos mercadores?

Entre a crença nas forças “naturais” da economia e o pavor ao excesso de intervencionismo do Estado, falta encontrar um meio termo que se ajuste melhor ao mundo global em que vivemos.

Sob pena de continuarmos a ser comidos por lorpas.

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Fontes: Jornal dos Negócios; Blasfémias.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

rebeldia ou dignidade?

Em 1965 era aluno interno do 6º ano do liceu no então Colégio Nacional de Anadia. Numa tarde solarenga, passeava com uns colegas mais chegados pelo alto do Monte Crasto, ali onde as vistas das serras do Caramulo e do Buçaco nos entram pelos olhos adentro.
Súbito, surge um automóvel que se imobiliza no alto do pequeno monte; do banco traseiro sai o então bispo de Aveiro, D. Manuel de Almeida Trindade. Um dos colegas que me acompanhava era seu sobrinho; ao vê-lo, o Daniel abeira-se do bispo seu tio, beija-lhe o anel e depois a face, num misto de respeito e sã familiaridade.
Com natural timidez, fomo-nos aproximando e cumprimentando o bispo como era dos usos: beijando-lhe o anel. Chegada a minha vez, fiz uso da ousadia própria duma geração que despertava para um mundo diferente: em vez do beijo da submissão, apertei-lhe a mão e curvei-me em sinal de respeito. D. Manuel, que bebera o espírito inovador e mais tolerante do Concílio Vaticano II em que participara em 1962, sorriu-me afavelmente.
Uns tempos depois, o Daniel ofereceu-me "A Cidade e as Serras", do Eça de Queiróz, fazendo questão de me dizer que o livro pertencera ao tio; e lá estava, na 1ª folha, o seu nome e a data da aquisição da obra: 1933.
Li o livro e julgo ter lido melhor a mensagem que a oferta escondeu.
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Título extraído dum livro publicado pelo povo de Mamodeiro/Aveiro sobre um grave diferendo que então se instalou a propósito da localização duma igreja: "Rebeldia ou dignidade? - Os de Mamodeiro e o Sr. Bispo de Aveiro"

terça-feira, 16 de setembro de 2008

morrer de morte matada

As histórias de faca e alguidar são o usual tema de abertura dos telejornais; sempre assim foi e agora mais do que nunca, como procurei explicar aqui.Tudo me faz lembrar os anos 80, com a mediatização de crimes e criminosos que ficaram para a história. O mais celebrado terá sido Faustino Cavaco, que fez parte dum gang conhecido por FP27 e acabou condenado na pena única de 24 anos e 6 meses pela prática de 45 crimes, incluindo 6 de homicídio. Ficou famosa a sua rocambolesca fuga em Julho de 1989 da cadeia de Pinheiro da Cruz e de que resultou a morte de 3 guardas prisionais.
Em 1987 foi um pacato Vítor Jorge que decidiu sair de casa com um grupo de 5 amigos e amigas com o inocente propósito de festejar um aniversário numa praia da zona de Pombal (Osso da Baleia). Acabou por matá-los a todos no areal; regressado a casa após o massacre, terminou o festim assassinando a mulher e a filha.
Os primeiros tempos de Faustino Cavaco no estabelecimento prisional de Coimbra foram difíceis, mas a sua pacatez acabou por amansar os ressabiados guardas prisionais; a tal ponto que um cliente e amigo da zona de Anadia ia de quando em vez a Coimbra levar uns leitões assados para um grupo restrito de detidos, entre os quais se contava o José Faustino, hoje um pacato empresário de hotelaria no seu Algarve.
Nesses primeiros tempos de dura solitária, Faustino Cavaco escreveu as suas memórias, editadas em 1989 pela Heptágono. Mal saiu para os escaparates comprei “
Vida e mortes de Faustino Cavaco”. Li as 516 págs. dum fôlego, creio que numa noite inteira. O impressionante relato está cheio de acção e a narrativa é fluente e envolvente. Logo no final da 1ª pág. da introdução, Faustino escreve estas espantosas palavras:
Nasci no ano de 1960, mas não sei como os meus pais conseguiram fazer as coisas que não me lembro de ter nascido. Como eu tenho uma memória fantástica, teve de ser de noite e com a luz apagada, porque, senão, eu lembra-me-ia."
Tudo isto são
coisas naturais da vida
como comer, caminhar,
morrer de morte matada,
morrer de morte vivida.
Quem sabe eu sinta saudade, hein,
como em qualquer despedida
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1) Sobre outro homicida famoso, ler este interessante texto.
2) Os versos são do compositor, cantor e ex-ministro brasileiro da cultura, Gilberto Gil: "Não tenho medo da morte".

domingo, 14 de setembro de 2008

Os portugueses são uns queixinhas

O 1º ministro inaugurou ontem o Hotel Casino de Chaves, um investimento que terá custado 50 milhões de euros.
José Sócrates classificou o projecto turístico como "um dos investimentos mais importantes do norte do país", decisivo para o desenvolvimento e crescimento da economia transmontana. O nosso 1º não esteve pelos ajustes e foi mais longe: “A minha principal missão em vir aqui a Chaves é elogiar o grupo Solverde, a vossa família [os irmãos Viola, que controlam uma molhada de casinos de norte a sul do país] e também deixar uma palavra de confiança à cidade de Chaves”.
Tudo porque a cidade de Chaves é terra que não se põe a "chorar sobre o leite derramado", nem se associou ao espírito queixinhas que grassa pelo país.
Entretanto, o casino abriu portas em Janeiro deste ano, com sala de máquinas com 322 slot-machines e sala mista com máquinas e jogos bancados, quatro bares e etc.
Depois do Chavez é Chaves a conquistar o coração do nosso 1º. Está na cara: isto só vai ao sítio com petróleo e jogos de azar.
E como continuamos os dois agarrados ao tabaquito, a melhor forma de lhe mostrar a minha devoção é convidá-lo a fumar o cachimbo da paz.
- Imagens extraídas de "Rantamplan - O Padrinho" e de "Lucky Lucke - O 20º de Cavalaria", ambas dos imorredouros Morris & Goscinny.

sábado, 13 de setembro de 2008

Canção

Tinha um cravo no meu balcão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?

Sentada, bordava um lenço de mão;
veio um rapaz e pediu-mo
- mãe, dou-lho ou não?

Dei um cravo e dei um lenço,
só não dei o coração;
mas se o rapaz mo pedir
- mãe, dou-lho ou não?

- 1º poema de Eugénio de Andrade (19/1/1923 - 12/6/2005). Desde 27/5/1984, data em que comprei o 1º dos seus livros, que o poeta acompanha as minhas noites.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Andam druidas na costa

Há lugares assim, como que mágicos, ainda por cima à beirinha do mar.
S. Paio de Labruge é um daqueles sítios onde a natureza parece ser dona do espaço e do tempo.
Há ruínas dum povoado piscatório pré-romano (por sinal bem protegidas e assinaladas), penedos (chamados “amoladoiros” porque os pescadores amolavam os seus utensílios nos rochedos), gravuras nas rochas e – tinha de ser - uma ermida sobranceira ao mar, dedicada ao jovem mártir S. Pelayo ou S. Paio e certamente ali erigida para cristianizar um local onde não faltam vestígios de cultos pagãos.
E depois sabe bem passar por tantos terrenos inundados de milho que por pouco não beijam o mar. Parece que mais a norte o povo das aldeias resiste ainda e sempre ao invasor.
S. Paio é como um navio de pedra, capaz de resistir àquilo que muitos insistem em chamar progresso.
Estou em regressar lá um dia destes, numa manhã de nevoeiro e mar agreste. Quero encontrar druidas de foice de oiro na mão a cortar o visco que há-de servir de poção mágica.
E duendes,
Fadas
E feiticeiras que curam males.
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- Mais uma vez associo o tema à BD, trazendo à lembrança o
Panoramix e O Navio de Pedra.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Fintabolistas

(...) o que me inveja não são esses jovens, esses fintabolistas, todos cheios de vigor. O que eu invejo, doutor, é quando o jogador cai no chão e se enrola e rebola a exibir bem alto as suas queixas. A dor dele faz parar o mundo. Um mundo cheio de dores verdadeiras pára perante a dor falsa de um futebolista.
As minhas mágoas que são tantas e tão verdadeiras e nenhum árbitro manda parar a vida para me atender, reboladinho que estou por dentro, estourado que fui pelos outros. Se a vida fosse um relvado, quantos penalties eu já tinha marcado contra o destino? (...)
 
[Mia Couto, in O Fio das Missangas]
[via Vanda]

domingo, 7 de setembro de 2008

Há gostos que não se discutem

Embora timidamente, a Câmara Municipal de Oliveira do Bairro lá vai investindo em arte.
As exposições no edifício dos paços do concelho são uma constante e vão aparecendo espaços públicos onde emerge algum espaço para as artes plásticas. É o recente caso do monumento comemorativo dos 10 anos de geminação entre Lamballe (França) e Oliveira do Bairro, implantado no jardim dos paços.
Mesmo no tempo do outro senhor dos paços, a arte lá ia dando sinais.
A autora da peça, a jovem artista plástica Lara Roseiro, tem marcado presença no concelho: o depósito de água da vila, as piscinas municipais e a sede da AMPER (Associação dos Amigos de Perrães) refletem o seu traço.

Em verdade vos digo: a arte é um regalo para os olhos...
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"Mais importante do que a obra de arte propriamente dita é o que ela vai gerar. A arte pode morrer; um quadro desaparecer. O que conta é a semente" - Joan Miró, pintor espanhol

Aparências...

Já nos meus tempos de estudante em Lisboa (69/70 e 70/71) o parque Eduardo VII era local privilegiado de engate.
Não sabia era que a Câmara cobrava taxa...

Os(as) prostitutos(as) agradecem a benesse, que os tempos estão difíceis.
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Antes que o loby me crucifique, aqui vai a notícia completa.

sábado, 6 de setembro de 2008

"Bando dos quatro" apanhado ao jantar

Jovens suspeitos de mais de 20 assaltos a cafés e farmácias do Minho lançaram o terror nos últimos cinco meses, com roubos violentos. Foram apanhados num jantar de confraternização em Fafe. O "Bando dos quatro", como foi denominado, preocupava as autoridades, por se enquadrarem no perfil de delinquentes que passam rapidamente para um patamar superior de violência.
Segundo fontes geralmente bem informadas, terá sido a pronta acção do corajoso Lucky Luke que permitiu que o bando acabasse atrás das grades.
Mal soube da notícia, o 1º ministro interrompeu o seu jogging matinal e reuniu o governo de emergência com o propósito único de propor uma homenagem ao nosso herói.
É sabido que ambos têm dois pontos em comum: ainda que por razões diferentes, deixaram de fumar e adoram prender os Dalton.
PS 1 - fora de brincadeiras: a notícia pode ser lida no JN on line de hoje; é só ir lá.
PS 2
- fora de brincadeiras: no seguimento da campanha antitabágica que percorreu a Europa há uns anos, o Lucky Luke passou a andar de palhita nos beiços em vez do tradicional cigarro feito à mão.

PS 3
- fora de brincadeiras: o 1º ministro foi apanhado a fumar no avião que o levava de visita ao Chavez e prometeu deixar de fumar.

PS 4
– fora de confusões: como qualquer letrado saberá, PS é a abreviatura de post scriptum, i.é., o que se escreve depois.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Tempo de ir aos figos

Os botânicos dizem que o figo não é um fruto, mas sim um sícone, que não é mais do que um falso fruto que começa por uma inflorescência e acaba numa deliciosa infrutescência, sobretudo quando bem madurinha.
Dito assim nem apetece ir aos figos, mas cá por mim vou-me a eles na mesma, deixando as explicações para o Milton Costa, que é cientista e quando se atira à figueira da casa dele fica indeciso entre comê-los e divagar sobre as razões de ciência do tal de sícone ou sicónio.
Gosto muito de figos, sobretudo das figueiras dos quintais dos meus afáveis vizinhos.
Aos figos chamo-lhes um figo.
Estão logo ali depois do meu quintal. E a fronteira que separa os dois aidos não tem muro de Berlim, arame farpado, campo de minas, nem me esperam as malditas emboscadas de má memória.
E também está fora de questão a prática do crime de introdução em lugar vedado ao público, porque - como diria o Sr. De La Palisse - não há vedação de espécie alguma. Os nossos aidos gostam de interagir, derramando-se uns nos outros como mares iguaizinhos a que os homens deram nomes diferentes.
Não digam nada ao meu vizinho, mas, de 2 em 2 dias para dar tempo de amadurecerem, vou-me a eles como cão à cata de bom osso. E não lhe digam porque ele é uma jóia de rapaz, bom amigo de ontem e de hoje (e espero que de amanhã...), faz uns petiscos de morrer e produz vinho de boa qualidade.
Em abono da verdade, ou me vou a eles ou a passarada passa-me a perna. Tertio non datur, como se diz nos direitos; em bom português, significa que não existe uma 3ª alternativa visto que o tertio não vive cá.
É tempo dos figos. E antes que os pássaros os dizimem ou a chuva os estrague...
Vamo-nos a eles!

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Blogue do Rui Luzio: hecho en Venezuela


O Rui Luzio é um bustuense dos meus tempos. Como tantos outros companheiros dos anos 60 e princípios de 70, o seu destino foram as américas; para ser mais preciso, a Venezuela que agora é do Sr. Chavez.
Também lhe deram as febres de Agosto e daí o ter criado recentemente um blogue pessoal onde nos fala das suas memórias e das suas viagens. Ficam a saber que o Mário Rui da Cruz Luzio há muito que é também um viajandeiro a percorrer caminhos de Santiago.
O endereço do seu blogue passou a constar da lista aqui do lado.
Morrocoy se chama.

E agora responde-me, ó Rui Luzio: - A internet também não te faz lembrar os tonéis das adegas da nossa juventude? Quantas vezes não viajaste no espaço e ficaste sábio sem sair do mesmo "sítio"?

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Tardes do Piri-Piri

Com 83 anos, foi ontem a enterrar uma conterrânea que ajudou a marcar a minha juventude nos anos 60 (foi no séc. passado, raios!). O triste evento foi merecedor dum post no Notícias de Bustos, editado pela 1ª vez em verdadeira e animada co-autoria.
Cremilda Martins da Silva tinha 83 anos e há 45/40 anos viveu com bonomia e compreensão a nossa irreverente juventude.
Fosse nas férias escolares, fosse aos fins de semana, a esplanada do café Piri-Piri dessa aldeia pujante e contestatária que foi Bustos era o ponto de encontro dum número apreciável de jovens e libidinosos bustuenses. Ali vivemos as famosas tardes do Piri-Piri, entre finos, pratinhos de tremoços e alguns pires de pequenos búzios da ria que a Ti Cremilde ia pachorrentamente servindo à medida que contávamos as escassas moedas de escudo.

Regressados do que já apelidei de "Agosto bustuense da Costa Nova" e a partir da sede instalada na esplanada do Piri-Piri, ajudámos a organizar em Setembro de 1970 um Encontro de Estudantes da Bairrada, cuja iniciativa partira do pároco local. O Padre Vidal era um indefectível da ditadura salazarista e tinha fé de que acabaríamos por lhe cair no regaço; só que a malta tinha outras ideias e, mal ele sonhava, aproveitámos mas foi para ir sacudindo as consciências que o regime reprimia ferozmente.
Estranhamente, o pároco tinha uma empatia muito especial por mim: eu era rebelde mas franco e isso atraía-o. Uns bons anos antes, aí pelos meus 10/12 anos, era uso na missa de domingo o sacristão mandar perfilar meia dúzia de miúdos traquinas no 1º degrau logo a seguir ao altar. Calhava-nos sempre a triste sina...até que um dia engendrámos a mais rebelde das conspirações:
Aproveitando um dos solenes momentos em que o pároco ajoelhou de costas para os fiéis, um de nós atou-lhe os dois atacadores dos sapatos; ao querer levantar-se após a sentida oração, o Padre Vidal estatelou-se no chão ante o altar. A risota foi geral, mas o par de tabefes com que o bondoso sacristão brindou cada um dos atrevidotes caiu que nem raio castigador.
A missa continuou a pedido do Senhor, que lembrou aos crentes o miúdo traquinas que um dia
também Ele fora.
Quem sabe se o irrreverente episódio não fez de nós melhores filhos desse deus que está no coração dos homens e das mulheres de bem.
Bem haja a mulher de bem que foi a Ti Cremilda!