segunda-feira, 9 de junho de 2014

Quando os filhos nos pertenciam - III

Claro que o meu filhote (da 3ª cama, a bem dizer) também tinha destas coisas de miúdo...

Como diria o meu Eugénio de Andrade [Os amantes sem dinheiro, 1947/49: Poema à mãe]:

"No mais fundo de ti,
Eu sei que traí, mãe.

Tudo porque já não sou
O retrato adormecido
No fundo dos teus olhos.
Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.
Olha - queres ouvir-me? -
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
  Era uma vez uma princesa 
  no meio de um laranjal!...

Mas - tu sabes - a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu sai da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves."


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- O Eugénio de Andrade faz parte dos bibelots da minha mesinha de cabeceira desde que comprei, na Feira do Livro em Aveiro, a sua coletânea de Poesia e Prosa [1940 – 1980], Edição Limiar.
Foi no dia 27/5/84 e era Dia da Mãe. Lembram-se?

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