quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Diarreia legislativa

Tornou-se um hábito os governos aproveitarem o verão para despejar no Diário da República um sem fim de leis. Mal nos apanham pelas costas, dá-lhes para legislar a torto e a direito. Devem detestar que a malta vá de férias; ou então é vírus ou bactéria que lhes ataca a flora intestinal.
Ainda a procissão vai no adro e – no que importa a quem anda metido no mundo do direito – já foi publicada legislação sobre:
- Novos Julgados de Paz (agrupamento de concelhos de Palmela e Setúbal);
- Subsídios de maternidade e paternidade (percebe-se porquê: se não somos pais ou mães, somos avós ou avôs);
- Investimento em redes de nova geração, que passa pela instalação dum novo sistema de gravação digital nos tribunais de 1ª instância, em substituição dos velhinhos gravadores de cassetes;
- Regulamentação das derrogações previstas nos regulamentos comunitários sobre regras de higiene dos géneros alimentícios. (*)

Mais uma vez, Setembro irá encontrar os advogados, magistrados e funcionários judiciais completamente atarantados, sem saberem ao certo que lei se aplica a este ou aquele processo. Mas descansem que tudo se há compor, ou não fossemos os melhores em desenrascanço.
*
Apresento-vos um exemplo do absurdo a que chegou a ferocidade do legislador, a lembrar o universo de Franz Kafka no seu livro “O Processo”:
Apenas sobre as formalidades da apresentação em tribunal das peças processuais, temos em carteira no escritório para cima de 30 Diários da República. A vertigem legislativa recebeu o seu baptismo de fogo em 1999 e o último diploma sobre a matéria foi parido em 4 de Março deste ano da graça de 2008.
Só um dos diplomas (o Decreto Lei n.º 269/98, de 1/9, que versa sobre os processos destinados ao cumprimento de obrigações emergentes de contratos) já sofreu 15 versões!
O Ministério da Justiça chama e este circo “desmaterialização, eliminação e simplificação de actos e processos na justiça”, alegando que o projecto resulta “de um processo evolutivo e de um conjunto concertado de acções diversas….”.
Eu cá chamava-lhe outra coisa…
Se isto não é diarreia, vou ali e já venho.
*
(*) Finalmente! Os regulamentos comunitários estabelecem regras gerais destinadas aos operadores das empresas do sector alimentar, regras essas que pressupõem o estabelecimento de normas orientadoras por parte de cada um dos estados-membros, tendo em conta os seus métodos tradicionais e a própria dimensão dos operadores industrias e comerciais.
Só agora tais normas começaram a ser implementadas pelo Estado Português.
Até eu chamei a atenção para o desajustamento da legislação num processo instaurado pela ASAE. Como também o fiz na parte final dum texto que publiquei no NB, onde aludia às novas Pides e que podem consultar
AQUI mesmo.

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