terça-feira, 16 de setembro de 2008

morrer de morte matada

As histórias de faca e alguidar são o usual tema de abertura dos telejornais; sempre assim foi e agora mais do que nunca, como procurei explicar aqui.Tudo me faz lembrar os anos 80, com a mediatização de crimes e criminosos que ficaram para a história. O mais celebrado terá sido Faustino Cavaco, que fez parte dum gang conhecido por FP27 e acabou condenado na pena única de 24 anos e 6 meses pela prática de 45 crimes, incluindo 6 de homicídio. Ficou famosa a sua rocambolesca fuga em Julho de 1989 da cadeia de Pinheiro da Cruz e de que resultou a morte de 3 guardas prisionais.
Em 1987 foi um pacato Vítor Jorge que decidiu sair de casa com um grupo de 5 amigos e amigas com o inocente propósito de festejar um aniversário numa praia da zona de Pombal (Osso da Baleia). Acabou por matá-los a todos no areal; regressado a casa após o massacre, terminou o festim assassinando a mulher e a filha.
Os primeiros tempos de Faustino Cavaco no estabelecimento prisional de Coimbra foram difíceis, mas a sua pacatez acabou por amansar os ressabiados guardas prisionais; a tal ponto que um cliente e amigo da zona de Anadia ia de quando em vez a Coimbra levar uns leitões assados para um grupo restrito de detidos, entre os quais se contava o José Faustino, hoje um pacato empresário de hotelaria no seu Algarve.
Nesses primeiros tempos de dura solitária, Faustino Cavaco escreveu as suas memórias, editadas em 1989 pela Heptágono. Mal saiu para os escaparates comprei “
Vida e mortes de Faustino Cavaco”. Li as 516 págs. dum fôlego, creio que numa noite inteira. O impressionante relato está cheio de acção e a narrativa é fluente e envolvente. Logo no final da 1ª pág. da introdução, Faustino escreve estas espantosas palavras:
Nasci no ano de 1960, mas não sei como os meus pais conseguiram fazer as coisas que não me lembro de ter nascido. Como eu tenho uma memória fantástica, teve de ser de noite e com a luz apagada, porque, senão, eu lembra-me-ia."
Tudo isto são
coisas naturais da vida
como comer, caminhar,
morrer de morte matada,
morrer de morte vivida.
Quem sabe eu sinta saudade, hein,
como em qualquer despedida
__
1) Sobre outro homicida famoso, ler este interessante texto.
2) Os versos são do compositor, cantor e ex-ministro brasileiro da cultura, Gilberto Gil: "Não tenho medo da morte".