sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Linhas de força

 
 
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- António Gedeão, pseudónimo de Rómulo de Carvalho, foi professor de físico-químicas.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Quando os filhos nos pertenciam - IV

Antes de voltar um dia destes para o paraíso em Unhais da Serra (H2Otel), voltei a revolver milhares de papéis, à procura eu sei bem de quê.

Voltei a encontrar preciosidades como esta, que irei publicando – cá, lá e pelo caminho – agora que o novo portátil parece estar a encarreirar, graças a um russo chamado Kaspersky. Benditos comunistas, apetece dizer.

No âmago das nossas vidas interiores, a tradição ainda é o que era:


Em contraponto, nas vidas do mundo geopolítico contemporâneo, a tradição deixou há muito de ser o que era.

Por cá, como quem assobia para o lado, os velhos do Restelo continuam a conduzir em contramão.
E não há meio de se irem embora!
É por causa deles que os nossos filhos emigram, não é filhota?
Até tu foste debandada para uma outra batalha em Waterloo, onde agora vives uma nova vida!

Se ainda estivesse na puta da guerra, desta vez (quem sabe?) não faria centenas de prisioneiros.

A ver se me percebem, embora eu seja muito de entrelinhas, subliminar
Isto anda tudo ligado.
Até as memórias da meninice dos meus filhotes, que são três, que foi a conta que Deus fez…

Fim de citações.

domingo, 8 de novembro de 2015

Guardiões dos Sabores: a tradição ainda é o que era

Como vem sendo dos usos, os Guardiões dos Sabores voltaram a reunir em Assembleia Geral, cuja ordem de trabalhos foi a degustação dos sabores dos nossos avós e aproveitar para fazer o ponto da situação da gastronomia que defendemos e cultivamos, tudo enquanto íamos degustando ou alambazando-nos à grande e à portuguesa com a cozinha tradicional.
Desta vez, o local do creme foi a acolhedora moradia da Zélia Canão/Carlos Leite, ali na Picada de Bustos. Presentes os guardiãos/guardiões: Fernando Silva, Joãozito Oliveira, Manuel Nunes, Carlos Leite, Adélio Reis, Milton Costa, Manuel Agostinho (secretário e redator das atas e futuro 1º ministro do reino dos sabores) e este vosso humilde escriba, Óscar Santos.
Faltaram, por motivos alheios à sua vontade - como usam dizer os políticos quando fazem borrada e saem de cena - os guardiãos António Romão, Rui Barata e João Libório.
Como vem sendo hábito naquele poiso, fomos recebidos principescamente.
A Zélia e o Carlos levam o esmero ao extremo, com recurso a uma equipa de verdadeiros gourmets: o cunhado do Carlos, Fernando Pinto e a sua consorte e irmã do Carlos, Conceição Leite, vindos expressamente de Oliveira de Azeméis, tal como de lá veio a deliciosa vitela, sacrificada no forno a lenha existente no bonito anexo dedicado aos bons comeres e beberes em grupo.
A Alexandra, que vive em Bustos, veio dar uma mãozinha, porque nunca somos demais para continuar o Portugal gastronómico.Tudo sob a batuta e interação da Zélia.
A Conceição (ao centro, na foto) é uma exímia cozinheira. As suas batatas salteadas, enriquecidas com alho, orégãos e o azeite dos usos, bem como os pipis estufados, caíram no céu daquelas bocas já de si esmeradas e exigentes. Até um bom queijo da serra a desfazer-se no palato ajudou ao preâmbulo do festim.
Não pensem que as delícias da terra (as do mar não fazem cá falta) se ficaram por aqui:
O mulherio, com a ajuda e permanente atenção do Fernando Pinto, submeteu ao lento crivo do forno a lenha 3 travessas de barro (houve uma 4ª, que não identifiquei), com a compositura que passo a factualizar:

- Uma, de robalo médio (300/400gr, diz o escriba, que já foi rei na matéria), recheado com pimentos vermelhos e verdes [a variedade é essencial, confidenciou-me a Conceição do alto do seu saber], a que acresceu bacon, orégãos e, desconfio, outros ingredientes que ficaram no segredo da deusa.
Para evitar o derrame do recheio, os robalos foram esventrados pelo dorso lateral, após o que foram fechados com palitos, tudo para evitar escorrências.
Na travessa de barro, os famosos e injustiçados robalos assentaram numa “cama” de vinho branco, azeite, cebola, tomate e salsa, cama essa que não se quer muito gorda, frisou a mestra.
Uma delícia! - rejubilaram os confrades, enquanto iam falando mal da política e bem das mulheres.

- As outras duas, deram guarida à tenra vitela trazida de Vale de Cambra, dos pastos dos lavradores locais que lá vão resistindo à crise, bom grado os esforços da ministra Cristas, agora em fim de ciclo.
Chegados aqui, avancemos para o esmerado tempero com que o jovem bovino foi regado.
Tudo vos relatarei até ao ínfimo pormenor, ó crentes e incréus, salvo aqueles segredinhos que os experts e chefs não gostam de revelar, seja aos crentes, seja aos ateus, agnósticos, ou mesmo aos da opus dei ou da maçonaria, seja qual for a loja em que aventalam:
Ele é alho, cebola, louro, sal, pimenta, uma malagueta de piri-piri, vinho branco e até um poucochinho de água, não vá a carne morrer à sede.
Outra delícia! - voltaram a rejubilar os confrades, enquanto se iam repetindo a falar mal da política e bem das mulheres.
Não registei o pedigree dos excelentes tintos e espumantes, que o tempo não deu para tudo, pois tive de me dividir entre a heurística da cozinha e a hermenêutica da farta mesa. E ainda tive de fazer de fotógrafo de serviço.

Mas dei nota das sobremesas, ainda que não sejam o meu forte:
Pudim caseiro (nada de fudim plan), pão-de-ló de Ovar, bolo de chocolate com café e ainda natas do céu regadas com ovos moles. Tudo matéria prima confecionada pelas mãos de fada da nossa Senhora da Conceição.
Mas que delícia! – rejubilaram de novo os confrades, enquanto insistiam em falar mal da política e bem das mulheres.

Para fechar o repasto, só faltou a Ana Sofia, filha da casa, brindar os convivas com uns acordes de flauta transversal em que é exímia, ela que integra a Banda da Mamarrosa. Fica para a próxima, se e quando a timidez se for embora.
Entretanto e como é da praxe, o secretário Agostinho lavrou a acta, que divulgarei na página do facebook dos GS, pois, ao contrário dos políticos e outros beneficiários da manjedoura, a malta não tem nada a esconder aos portugueses.
Como mandam os códigos, depois de lida e achada conforme, foi a acta assinada por todos.

São encontros destes que nos fazem esquecer que o país está de tanga para tantos e generoso demais para uns poucos.
Bem vistas as coisas, trata-se de contribuir para a recuperação, preservação e divulgação da cozinha tradicional portuguesa.
O governo - este e o que vem aí - podem cair. Os Guardiãos dos Sabores manter-se-ão de pedra e cal, que é como quem diz, de carne e peixe! 

Óscar Santos

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Os pontos nos is

Defendo com unhas e dentes a formação dum governo do PS com o apoio parlamentar do BE e do PC. A grande maioria dos cidadãos e cidadãs está farta de perceber que têm sido sempre os mesmos a pagar a crise.
Salta à vista que a solução tradicional tem sido a de depauperar a classe média e baixa, cortando nos salários e pensões e na prestação de serviços públicos essenciais. Sem dinheiro nas mãos da maioria e a sua concentração nas dos especuladores e grandes bancos ou sindicatos bancários, tutelados pelas agências de rating, o crescimento da economia nunca passará da cepa torta.
Lá no fundo, toda a gente aspira por uma mudança radical, nem que seja pela novidade. Bem no nosso íntimo, todos reconhecemos que a 1ª vez é muito saborosa. Alguma vez tinha de acontecer.
Posto isto, 
Impõe-se dar nota de alguns constrangimentos que importa não escamotear:
1º - O António Costa tomou de assalto o PS. A sua eleição como líder do partido assentou na novidade de eleições primárias, às quais foram admitidos a votar não só os militantes, mas também essa massa informe dos putativos simpatizantes.
O desafiante A. Costa cilindrou António José Seguro pela simples razão de que os seus apoiantes e apaniguados correram seca e meca para arrebanhar o voto de muita gente espúria (incluindo do PSD e CDS), a quem foi sugerido o voto no pretendente ao trono. Sem precisar de sair do nosso concelho, posso afiançar que se contam por muitas dezenas os exemplos de votos assim arrebanhados. Se isto não tresandou a chapelada, vou ali e já venho...
2º - Para as expectativas que criou, A. Costa levou pouco menos que uma banhada nas eleições legislativas de 4/10.
Se o anterior líder – o muito íntegro Tozé Seguro – foi apeado por ter ganho as europeias de 2014 por “poucochinho” (o PS obteve 31,6% e o PSD/CDS 27,71%, ou seja + 3,89%), certo é que Costa não só não obteve a almejada maioria absoluta, com ainda perdeu perante a coligação do PSD/CDS (38,36% contra 32,31%, ou seja, menos 6,05%).
3º - Provavelmente, A. Costa não arriscaria um governo à esquerda se o pior Presidente da República que o país já conheceu não estivesse em final de mandato. 
A razão é simples: o art.º 72º, n.º 1, da Constituição (CR), impede o Presidente de dissolver a Assembleia da República no último semestre do seu mandato, o qual termina a 9/3/2016.
4º - Para brigada do reumático, já nos chega a que se perfilou aos pés da ditadura em fim se ciclo quando faltavam escassos 2 meses para a ditadura cair às mãos dos Capitães de Abril.
[Os brigadeiros, certamente a entoar o hino da Maria da Fonte, que vale a pena ouvir AQUI]

Constrangimentos à parte, é incontornável a legitimidade do PS para formar governo “tendo em conta os resultados eleitorais”, como reza o art.º 187º, n.º 1, da CR.
Legitimidade acrescida porque o país precisa de mais atenção e respeito pelos valores constitucionalmente consagrados da segurança social e da solidariedade, da saúde, da educação, da cultura e ciência e do ensino.
  Valores que, com raras exceções, foram tratados pela coligação de direita como quem faz contas de merceeiro, sem ofensa para os ditos.
 
[extraído, com a devida vénia, de http://campus-cartoons.blogspot.pt/]

Venha de lá mas é o governo de esquerda, na esperança de nos trazer mais equidade e moralidade do que a apregoada nos discursos pré e pós eleitorais.
  Ele alguma vez tinha de acontecer!

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Arte tumular - Cemitério de Bustos (1884)

Refugiados de guerra em Portugal

A Europa vive o maior fluxo de refugiados desde a 2ª Grande Guerra (1939/45).
O novo ciclo de guerra e destruição que afeta a Síria e outros países islâmicos vítimas de movimentos extremistas conduziu a uma fuga sem precedentes das populações afetadas, com destino aos países da União Europeia, em especial Alemanha. A história tem destas ironias…
Este novo fluxo de refugiados merece uma reflexão ponderada, humanista e de matriz solidária, agora que, aqui e ali, se vão ouvindo algumas vozes contra o seu acolhimento.
Já agora: se acolhermos os 4.593 refugiados previstos e tendo em conta as 3.092 freguesias que sobraram depois da controversa reforma administrativa de 2013, teremos qualquer coisa como 1,5 pessoas por freguesia.
Ora gaita! Bom grado o milagre económico que agora termina o seu ciclo, não chega - nem para aí caminha - para reanimar o depauperado comércio de Bustos.
Um pouco de história

Como diria a grande poetisa Sophia de Mello Breyner Andressen, “vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar”. 
Daí fazer todo o sentido lembrar o que aconteceu em Portugal antes e durante a II Grande Guerra com a chegada do nazismo à Alemanha de Hitler.
 A vaga de refugiados a Portugal, então ferozmente dominado pelo ditador Salazar, decorreu entre 1933 e 1945 e foi resultado da nazificação da Alemanha e da invasão e ocupação da maior parte dos países europeus, sobretudo França e Países Baixos.
As estimativas apontam para cima de 100.000 refugiados que entraram nesse período, a grande maioria de passagem para países de destino final, sobretudo Estados Unidos. Só entre junho de 1940 e maio de 1941 foram cerca de 40.000.
Com Lisboa e a linha de Cascais congestionadas desses fugitivos em busca de paz e liberdade, a partir de 1942 o regime passou a encaminha-los para “residências fixas” em zonas termais ou de veraneio, nas Caldas da Rainha, Ericeira, Curia e Figueira da Foz,
Claro que a imposição dum tal regime de residência se deveu ao receio daquela estranha e variada gente poder subverter a moral e os bons costumes que o tirano achava adequados ao país miserável que governava com punho de ferro.
Como nos conta o historiador João Serra, citado AQUI, “Os refugiados fugiam de uma ditadura para uma outra, em Portugal, que não cultivava o anti-semitismo”.
De forma a percebermos melhor o drama desses cidadãos, leia-se este texto de apresentação da obra de Irene Pimentel “Judeus em Portugal durante a II Guerra”:
Havia gente de todas as condições sociais e a grande maioria foi em situação de puro desespero que aqui chegou: sem meios, sem roupa, com fome, depois de vencer dificuldades tremendas para percorrer a distância que os separava da fronteira terrestre de Portugal.
Curiosamente e tal como parece ser o presente caso de grande número dos refugiados sírios, os fugitivos de então pertenciam à classe média, alta e até à aristocracia.

Ontem, como hoje, o acolhimento de refugiados não só revela a solidariedade entre os povos, como atesta o seu grau de cidadania.
E já agora que se escreve e discursa tanto sobre ela, chamo à colação o n.º 1 do seu art.º 7º:
Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.
Reporto-me à Constituição da República, de que agora tanto se escreve e fala nas comunicações ao país.