segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Há mar e mar. Há ir e ficar

A descoberta do vídeo antecedente trouxe-me à lembrança um bom amigo e companheiro de Bustos: o Necas Caldeira, magarefe reformado. Mas também embarcadiço, para fugir à guerra a que acabou por não fugir.
Naquela madrugada, apeteceu-me bater-lhe à porta e perguntar-lhe: 
- Então, Necas e o teu mar? 
- E a guerra, Necas, a puta da guerra ali no Tôto, aonde nos encontrámos ia eu para para mais uma intervenção a pedido dos senhores da guerra de Luanda?
- E as campanhas no bacalhau, Necas? Conta-me, conta-me lá, que quero ouvi-las outra vez?

Acabei por encontrá-lo ontem, no sítio do costume, andava aqui o padrinho, mai'la madrinha e o afilhado, a colocar a 3ª tela do "Bustos em 1º". Foi na Barreira, à beira da casa do Altino.
Acabada a safra e umas atramoçadas minis de permeio na loja da Maria do Altino, viémos até casa lembrar tempos que marcaram a nossa juventude. 
E viajar pela net. Mar adentro. Até St. Jones, na Terra-Nova, Labrador.
Chegados lá, dispara-me o Necas:
"O Santa Maria Manuela era da pesca à linha. Saíam em Fevereiro/Março e regressavam antes dos temporais. Os primeiras linhas eram a alma da pesca à linha. Iam nos dóris para sotavento, zagaiando de vez em quando, a ver se ferravam peixe. Se viam que dava, largavam os tróleis de 10, 26, 28 linhas, na zona testada pela zagaia. Era um fartote!
 Carregados os dóris e deixadas as linhas assinaladas com bóias, vinham descarregar o bacalhau para bordo, que garfeavam para dentro da embarcação sem sair do dóris [tás a ver aqui, no filme? Cala-te mas é, e aprende!]
Arrastão Santa Princesa

Fui em 66 para o bacalhau, no Santa Princesa, um navio de guerra francês adaptado. Também andei no Santa Mafalda
Arrastão Santa Mafalda

Foram 4 viagens ao todo, entre 66 e 69.
Uma vez, o Ti Jacinto Merendeiro, da Gafanha do Carmo, morreu dum ataque quando íamos para St. Johns. Enterrámo-lo lá, mas o filho, emigrante no Canadá, trouxe-o para o chão da terra dele. Era gente de raízes!
Mas antes da malta ser enterrada em terra, muito antes de mim, fazia-se o "bota-abaixo": o corpo de quem morria a bordo dos veleiros era colocado em cima duma tábua e seguro por pesos para afundar. Deixado à água, o bota-abaixo só acabava quando se largava uma lamparina a boiar no local, a assinalar a morte.
[Tás parvo ou quê? Claro que a lamparina boiava à solta! Era uma cerimónia, a fazer de conta! Como o teu enterro e o meu, quando formos viver para a casa grande que fica em frente do Zé Valério!  Ou estás à espera de missa cantada e santa no enterro?
- Calei-me antes que ele me excomungasse...]

Não aguentei os 7 anos que a lei mandava para se livrar da guerra. Embarquei para Angola em 71, com o Batalhão 3855, 4ª Companhia, a 3437.
E a tua, que eras dessa merda da intervenção, sempre a saltar para onde elas escaldavam?
- Era a 3564, Necas - respondi-lhe eu - uma companhia independente, sob as  ordens directas do Comando-Chefe de Luanda.

Já agora, Necas: quando nos encontrámos no Tôto ia para uma intervenção na serra da Mucaba, a subir  de gatas, a pique, à espera das ameixas cairem. Fomos a seguir aos páras, que vieram de lá corridos. Aquilo era um santuário da Fenelá, uma espécie de cu de Judas.
Sabes, no percurso passei por uma pequena fazenda que se chamava Mamarrosa.
Lembrou-me a terra. 
A terra para onde tinha de voltar, Necas, nem que fosse cão!"

A nossa terra é o nosso chão. 
É aqui que estão as nossas raízes.
Todos os dias as rego com água.
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